"Quando sua realidade particular é desafiada, ela cede à verdade."

What if I say I'm not like the others?
What if I say Im not just another one of your plays?
What if I say I will never surrender?

quinta-feira, 8 de maio de 2014

81kcal

Tudo que eu tenho em casa é esse mofo com pão anexado em volta.
Eu moro a algumas quadras do mercado.
Talvez eu devesse ir até lá gastar meus últimos centavos.
Mas o mundo acaba lá fora. E por acabar eu digo quase que literalmente. Chove forte.
Eu sempre amei chuva. Ela me faz sentir melhor comigo mesmo por estar trancado em casa sem fazer nada.
Eu sempre gostei de ver a água escorrendo pela janela, imaginando as vidas sendo arruinadas lá fora.
Infelizmente eu não tenho uma janela aqui, pra ver o mundo ruir.
Mas meu mundo acaba lá fora. Esse batente é o final de tudo que é são.
Lá fora, tempestade.
Eu sempre achei que haveria algo de reconfortante em ter esgotado todas as suas opções e recursos.
Mas as quatro paredes não ajudam em nada.
Te falarem do quão novo você ainda está não ajuda em nada.
Na minha mente eu tenho essas discussões enormes, onde eu digo algo como o que disse acima, e no instante seguinte me odeio e destruo por ter dito algo tão imbecil e infantil.
O próximo passo é se odiar por se sentir assim.
Antigamente o primeiro passo era odiar o outro por andar com uma perna após a outra e respirar.
A tempestade faz tudo turvo, é difícil saber o que odiar. Não existe interesse, não existe foco. É tudo um borrão, e tudo no que você consegue pensar é naquela maldita foto que um estranho tirou sua abraçado embaixo de um guarda-chuva e que você simplesmente nunca vai ver.
É tudo uma mancha, e os anos escorrem para o bueiro. Deus, que poeta de lixo.
Os anos escorrem como sangue em um matadouro, lindo, enquanto os animais dependurados agonizam lentamente com as gargantas expostas. Não é assim que matam os animais hoje em dia, mas a cena não deixa de ser maravilhosa.
Eu gostaria que a chuva fosse vermelha por um dia.
Quando foi que as pessoas ficaram tão burras?
Quando foi que eu consegui me encaixar tão bem nessa mancha?
Quando foi que o ódio virou uma presença? Esse é outro desses momentos de discussões mentais gigantes.
Sempre que a presença vem, o instante seguinte é um martírio por não existir mais motivo. Digo, o motivo para se odiar alguém é algo que eles são, e as pessoas são o que elas fazem. Você pode querer acreditar que você é o que fala a vida toda. Mas você é o que faz, no final do dia. Você não é o discurso ou o horóscopo, você não é a teoria da faculdade, nem seu livro favorito. Ideais só são ideais quando provados no fogo, a existência deles nunca vai se fazer com palavras, mas com ações. E quando você não os tem mais, se é que os teve, fica difícil ter o referencial necessário pra odiar o que quer que seja.
A raiva para de ser um combustível e começa a ser uma corda.



5 comentários:

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    1. Obrigado Thays. Nem se compara com os seus mas a gente tenta haha.

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  3. "I couldn't stand to waste all my energy in things that do not matter anymore..."

    Nós sempre achamos que crescer é um processo. Eu acho que não. Eu acho que sempre existe um momento, uma linha limítrofe, uma fronteira, e que nós a cruzamos de sopetão. Ontem nós odiávamos as pessoas, repudiávamos o quanto eram previsíveis e iguais, olhávamos e nosso olhar tinha tanto desprezo como nenhuma delas seria capaz de sentir mesmo durante sua vida inteira. Amanhã, ou, bem, daqui a cinco minutos, quando você voltar seu copo de água da boca para a mesa, tudo isso acabou. E você é jovem demais, e você tem sonhos demais, e você ainda pode ganhar o mundo. Mas o que disso sobrou em você?
    Em um piscar de olhos nós nos debilitamos como em oito décadas, nós nos tornamos parte da mancha. Nos deixamos castrar exatamente como prometemos não fazer.
    Não sei se foi o que quis dizer, mas o que eu entendo é que passamos a nos odiar no momento em que nos tornamos aquilo contra o que sempre lutamos. Nós continuamos a enxergar o alvo, mas sabemos que já não estamos mais apontando para eles. Será que vê-los apenas nos faz melhor?
    De repente, somos mais baixos do que o chão que aquelas manchas pisam.

    Eu acho que deveria existir uma injeção de adrenalina pra esses casos. Onde é que a gente se perde? Em que buraco derrubamos toda a nossa expectativa? O que é que nos faz tão mortos e ponto de nada mais importar, nem mesmo a cor da chuva?

    Eu me vi em cada linha do seu texto. E isso é insuportavelmente deprimente. Como é que o absurdo deixa de nos escandalizar para nos fazer desistir?

    Para terminar, você diz que nada para além do seu batente é são. Mas eu te pergunto: o que é a sanidade?

    Tudo no mundo são cordas, a questão está em que tipo de nó nós aprenderemos a fazer para nos arrematar.

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    1. Dona Maria Eugênia, vou ter que pedir pra você parar de comentar nas minhas coisas. Seus comentários são melhores que os textos toda vez. Faço melhor em apagar eles e recolocar o que escreve no lugar haha. Obrigado, muito mesmo, como sempre. E que bom que você se viu no texto e que eu consegui passar alguma coisa. E que ruim também que isso tudo aconteceu, você não merece se sentir assim.

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